Na maior parte do tempo, foram os monges que criaram os manuscritos. Eles trabalhavam num profundo silêncio junto com outros monges - desde os primeiros raios de luz do dia até o anoitecer - numa grande sala chama Scriptorium. Cada monge exercia uma função bem distinta: o copista (scriptor) escrevia o texto sobre o pergaminho (suporte feito de pele de animal, em geral de cabra ou carneiro). Para isso, ele utilizava a pluma de ganso que ele mesmo confeccionava para escrever.
Os copistas eram divididos em responsabilidades diferentes: o reglor traçava as linhas de escritura e as margens; o scriptor copiava os textos sagrados e o pictor iluminava o pergaminho uma vez o texto pronto. O iluminador (pictor) desenhava as ilustrações nos espaços livres deixados pelo copista. O desenho tinha tanta importância (ou mais) que o texto pois a iluminura deveria valorizar a mensagem que era veiculada de maneira à chamar atenção ao texto para que ele pudesse ser memorizado mais facilmente.
Monges copistas trabalhando no Scriptorium - Iluminura do Scriptorium, Libro de los juegos, XIIIe s., monastère de l'Escorial
Como já foi dito acima, os pergaminhos são fabricados com a pele de animais (cabra ou carneiro). Os pergaminhos mais apreciados eram aqueles feitos com a pele de um animal morto recém-nascido por causa da maciez de sua pele, porém eram (e continuam sendo) extremamente caros devido à sua raridade.
Para fabricar as cores utilizadas nas iluminuras, os iluminadores utilizavam o que tinham em mãos na época: urina humana, fígado de animais, conchas, especiarias (como o safrão e a cúrcuma, por exemplo), insetos, plantas, flores, minerais e terra. Por exemplo, o vermelho poderia ser fabricado tanto com um pequeno inseto, como é o caso do vermelho-carmim que é fabricado com a cochonilha (Dactylopius coccus) como a garance que é feito à partir de uma planta (Rubia tinctorum L.).
O amarelo poderia ser fabricado com o açafrão-da-terra ou alguma outra terra, como o ocre-amarelo. Já o azul poderia vir tanto de minerais como o lapis-lazuli ou a azurita como de uma planta de índigo (Indigofera tinctoria) e o preto comumente vinha do carvão. Hoje em dia, os artistas encontram todas as tintas, nas cores mais variadas, além do material que precisam em qualquer loja de material artístico ou mesmo na internet. Não era o caso dos artistas até a época de Renoir, quando enfim, o primeiro tubo de pintura foi criado!1
Pigmentos utilizados na Iluminura Tradicional
Finalmente, uma vez todo o trabalho sobre os pergaminhos terminado, eles eram costurados uns aos outros e assim era feito o códex, o ancestral do livro. Com o passar dos anos e a evolução da pintura e de outros materiais - mais práticos e resistentes - a iluminura foi sendo substituída por outras técnicas artísticas vinda de outros mestres, conhecidos ou não, na História da Arte.
A Iluminura ainda é praticada em vários países da Europa e também em outros países do mundo (com poucas variantes técnicas). Assim como aconteceu com várias outras artes, ela também evoluiu e hoje é possível encontrar as Iluminuras Contemporâneas onde a técnica mantém-se sob temas que fazem parte de nosso mundo atual.
Contudo, dado o valor histórico, por sua beleza e também por tratar-se de uma arte de luz, a Iluminura Tradicional (sobretudo, a Medieval) ainda é muito praticada na Europa tanto por religiosos como leigos.
Na cidade de Angers, na França, existe o INSTITUT SUPERIEUR DE L'ENLUMINURE ET DU MANUSCRIT (Instituto Superior Europeu de Iluminura e do Manuscrito)2 que forma iluminadores todos os anos, mas também é possível estudar iluminura nos ateliês de mestres-iluminadores (como é o meu caso).
Tendo nascido dentro dos mosteiros, a Iluminura traz dentro de si um sentido espiritual que não pode ser esquecido. Assim como os ícones são representativos da presença espiritual, a Iluminura é representativa da luz espiritual.
Os monges (católicos) tratavam as Iluminuras com o mesmo respeito e devoção que os ortodoxos, porém, permitiam-se mais liberdade com a iluminura do que jamais os ortodoxos fariam ( e é assim até hoje).
De certa forma, podemos dizer que a Iluminura é uma tradição do Ocidente enquanto a íconografia é uma tradição do Oriente e embora diferentes, ambas têm o mesmo objetivo: o Altíssimo.
Contudo, diferente da Iconografia que ainda continua uma arte de caráter sagrado, a Iluminura saiu dos mosteiros para o mundo. Interessados nessa "bela arte de imagens que contava histórias"; reis, rainhas e nobres da corte criaram seus próprios Scriptorium dentro de seus castelos ou moradas e a iluminura passou a contar temas mundanos sobre vários assuntos: desde a bravura do rei em seus combates, como a beleza da rainha em seus passeios pelo jardim ou textos com poesias sobre o amor medieval e tratados tanto botânicos e fitoterápicos.
Mais tarde, a Iluminura serviu para ilustrar histórias gregas e contos medievais entre outros, mais grotescos. Além destes, a iluminura também foi utilizada como um meio de criticar o sistema da época: tanto a igreja como o rei.
Graças à essas iluminuras, sabemos muito mais sobre esse longo período que foi a Idade Média.
Notas:
1. O primeiro tubo de pintura foi criado em 1841 pelo pintor americano John Goffe Rand e é sem dúvida uma invenção muito importante na História da Arte pois foi o que permitiu aos artistas impressionistas viajarem e pintarem ao ar livre com mais liberdade;
2. Caso você deseje conhecer e/ou saber mais sobre esta escola, clique aqui: http://www.iseem.fr/
À seguir: As Iluminuras de Hildegarda de Bingen